12 Contos Africanos
Descrição
O livro ‘Contos Africanos’ de Ana Cristina Mancussi destaca autores da África de língua portuguesa, apresentando aos leitores suas intrigantes histórias contemporâneas. A coletânea apresenta dez contos de estilo único que abordam temas como adolescência, luto, pobreza, entre outros. As emoções evocadas em cada história refletem aquelas sentidas na vida real. Compilada com o objetivo de conscientizar os leitores brasileiros sobre outras culturas do mundo lusófono, a narrativa impactante de cada autor permite comparações com a realidade brasileira.
Abaixo está uma breve descrição de cada uma das dez histórias.
Moçambique
O Dia em que explodiu Mabata-bata de Mia Couto
Este é um conto que narra a trágica história de Azarias, um jovem pastor encarregado de cuidar do boi Mabata-bata, considerado o mais valioso da aldeia. Enquanto pastoreia, Mabata-bata pisa numa mina terrestre e explode, um símbolo das marcas deixadas pela guerra em Moçambique.
A perda do boi tem consequências graves para Azarias, que temia a reação dos mais velhos e da comunidade. O conto aborda temas como a pobreza, o peso das tradições, o impacto da guerra e a fragilidade da infância. Com seu estilo lírico e simbólico, Mia Couto critica a violência e revela como ela atinge até os mais inocentes, como Azarias. O título já antecipa a fatalidade que redefine o destino do menino, e a história convida à reflexão sobre a dura realidade vivida por muitos em contextos de conflito.
As Mãos dos Pretos de Luís Bernado Honwana
“As Mãos dos Pretos” é um conto que retrata o olhar inocente de um menino negro que ouve as explicações contraditórias que recebe de adultos brancos sobre o porquê de as palmas das mãos dos negros serem mais claras do que o resto do corpo. Ao longo da história, a criança ouve justificativas absurdas e racistas de diferentes figuras de autoridade como um padre, um professor e um administrador, todas tentando naturalizar a desigualdade e justificar a inferioridade dos negros. No entanto, a criança questiona essas explicações com curiosidade e senso crítico.
A história é uma crítica poderosa ao racismo e ao colonialismo, mostrando como o preconceito é ensinado desde a infância por meio de discursos desinformados. Por meio da perspectiva inocente de uma criança, Honwana expõe o absurdo das justificativas racistas e convoca todos a questionar os mecanismos ideológicos que sustentam a discriminação.
O enterro da Bicicleta de Nelson Saúte
“O Enterro da Bicicleta” conta a história de um deputado que era muito querido em sua pequena cidade. Quando jovem, ele havia deixado a cidade em busca de um futuro melhor, mas acabou percebendo que seu verdadeiro lugar era onde havia crescido. Quando retornou, usou seu conhecimento para transformar a cidade e melhorar a vida de todos.
Após sua morte repentina e misteriosa, o vilarejo, tomado pela tristeza, lhe presta uma última homenagem: enterrar sua bicicleta. Sem saber onde ele estava, o vilarejo só tinha uma parte de sua vida, e enterrar sua bicicleta era um símbolo de seu impacto e de sua presença duradoura. Naquele dia, toda a cidade parou, as crianças não foram à escola, os adultos não trabalharam e todos participaram da cerimônia com respeito e carinho.
Cabo Verde
Dragão e eu de Teixeira de Sousa
O conto narra episódios marcantes na vida de um menino que ganha um cachorro chamado Dragão. A partir desse momento, desenvolve-se uma relação de afeto entre os dois, e o leitor acompanha as dificuldades, descobertas e curiosidades que surgem em sua vida e na dos que o cercam. A presença de Dragão não só transforma a rotina do menino, como também serve de fio condutor para revelar aspectos da infância e da realidade social de Cabo Verde.
No final, o conto é uma mistura equilibrada de realidade e imaginação, funcionando tanto como um retrato cultural de Cabo Verde quanto como uma celebração das pequenas experiências que moldam a identidade de um povo. Por meio da perspectiva do menino e de seu relacionamento com o cachorro, temas como amizade, superação de obstáculos, simplicidade da vida na ilha e afeto familiar são retratados com sensibilidade.
São Tomé e Principe
Solidão de Albertino Bragança
A história do Solidão segue a vida de Mento Muala, um homem que na sua juventude foi símbolo de alegria, vitalidade e carisma. Sempre sorridente, incansável no trabalho e no samba, Mento encantava a todos, especialmente as mulheres, que riam quando ele passava. Ele sempre foi o centro das atenções e parecia imune ao cansaço e aos efeitos da idade. Por fora, era a própria imagem da felicidade. Com o tempo, no entanto, Mento começou a perder o brilho que o tornava tão especial. Uma nuvem escura interna começa a pairar sobre ele, levando-o a sentir um profundo sentimento de vazio. Tentando ignorar o sentimento, ele tenta mascarar a solidão que sentiu, mas sabia que não era o mesmo que costumava ser. Procurando companheirismo, ele tenta encontrar uma antiga parceira novamente, tentando reconquistá-la ao longo dos anos, mas ela sempre o rejeitou. Sua trajetória revela, de maneira tocante e simbólica, o que acontece quando uma solidão se instala onde antes havia vida.
Guiné-Bissau
A lebre, o lobo, o menino e o Homem do Pote de Odete Costa Semedo
O conto é narrado por duas crianças e gira em torno de um homem que, ao enfrentar dificuldades com sua plantação, busca a ajuda de um sábio — mais tarde conhecido como o Homem do Pote. Após seguir seus conselhos, a colheita melhora, mas os moradores ao redor continuam passando por dificuldades semelhantes. Nesse cenário, a esperta Lebre se aproveita da bondade do filho do Homem do Pote, que cuida da horta. O menino nunca se recusou a ajudar a Lebre, mas ao se sentir ameaçada, ela começa a manipulá-lo. O pai do garoto descobre a situação e interfere, pondo fim ao abuso. Os aldeões, revoltados com a morte da Lebre, confundida por um lobo faminto, se arrependem e fazem um enterro simbólico. Porém, a Lebre não estava morta de fato e, ao se ver sozinha, finge um “último pedido” e foge. Ela encontra o lobo e juntos elaboram um plano para finalmente roubar os feijões do Homem do Pote.
Angola
Nós choramos pelo cão tinhoso de Ondjaki
Fora dos alunos da oitava série, Jacob foi escolhido pelos professores para ler “Nós matamos o cão-tinhoso” de Luís Bernado Honwana. Tendo lido o texto antes, o professor escolheu ele para lê-lo para a classe. No entanto, lê-lo desta vez depois de alguns anos prova ser um pouco difícil para Jacob, uma vez que ele agora entende a história de forma diferente.
No texto original referenciado na história de Ondjaki, as crianças da escola foram instruídas a matar o cão tinhoso. Animados para receber a ordem, os meninos da classe correram para casa para completar a tarefa, pegando as armas que pertenciam aos seus pais. Quando eles encurralaram o cão Isaura, uma menina da escola, chorou para que não matasse o cachorro. Ginho, o personagem principal além do cão, também se levantou por ele, implorando para os meninos não matarem o cão tinhoso. Lendo a história, Jacob sente o peso do texto trazendo lágrimas aos seus olhos e dos que estão na sala de aula, No entanto, Jacob continuou a ler a história devido ao bullying de um colega de classe Olavo.
A resposta de Ondjaki à obra “Nós matamos o cão tinhoso”, de Honwana, fala dos temas representados na história original. Sua edição comenta sobre a colonização da África e seu impacto em seus povos e sua realidade.
Passei por um sonho de José Eduardo Agualusa
A história começa com Justo Santana, uma humilde enfermeira que sonha com um pássaro branco e luminoso, semelhante ao Cristo crucificado, que transmite uma missão: trazer liberdade às pessoas e curar os doentes com milagres. Embora relutante, Justo começa a realizar tratamentos inexplicáveis. Isso logo faz com que Justo seja considerado um santo e profeta, atraindo multidões.
No entanto, a sua crescente influência desperta a atenção do regime, e ele é acusado de subversão e enviado para o exílio, onde se torna um guardião de farol no deserto do Namibe. Anos mais tarde, Justo desliga o farol para salvar as aves migratórias e, por causa disso, um naufrágio. Ele é preso novamente, desta vez em Tarrafal, até ser libertado com a Revolução de Abril de Portugal.
No final da história, Justo está doente e mantido como uma relíquia por devotos, quase prisioneiro de sua fama. Quando perguntado sobre o pássaro, ele revela em segredo: “eu o estrangulei”, sugerindo que ele matou a fonte de sua missão, ou se libertou dela. O conto mistura realismo mágico e crítica social, refletindo sobre o poder, a fé e o potencial da liberdade ser limitante.
Gavião veio do sul e pum! de Boaventura Cardoso
Neste conto, Cardoso usa a metáfora de um falcão que aparece subitamente do sul para representar a chegada abrupta e violenta das mudanças políticas e sociais em Angola. A história é contada usando uma alegoria vívida, explorando a tensão entre as vidas diárias das pessoas comuns e as forças externas que brutalmente interferem com elas. O aparecimento do falcão causa pânico e destruição, perturbando a comunidade abaixo dele. A expressão “pum!” enfatiza o caráter explosivo e inesperado deste evento, sugerindo uma quebra do equilíbrio anterior.
A história propõe uma reflexão sobre o impacto da violência e da opressão, especialmente vindo de fora (“do sul”), na vida das pessoas que entendem pouco do que está acontecendo, mas sentem as profundas consequências.
Zito Makoa, da 4a classe de Luandino Viera
Ambientada na Angola colonial, esta história segue Zito Makoa, um jovem aluno numa escola dirigida por portugueses onde as crianças africanas enfrentam duras punições por falarem nas suas línguas nativas ou resistirem à autoridade colonial. Zito e seu amigo Zeca Silva navegam nesse ambiente opressivo através de pequenos atos de solidariedade, como compartilhar comida e escrever notas secretas. As tensões aumentam quando Zito escreve “ANGOLA É DOS ANGOLANOS”, uma declaração desafiadora contra o governo colonial. Quando seu colega de classe Bino os denuncia, o professor pune violentamente Zito. Para protegê-lo, Zeca troca a nota incriminadora por uma inofensiva, mas Zito ainda sofre castigos corporais brutais. No final, Zeca arrisca mais uma punição para devolver a nota original a Zito, reforçando sua resistência compartilhada.
A história destaca temas de opressão colonial, amizade e o significado da rebelião, embora possa ser tranquila. Através das experiências de Zito e Zeca, Vieira critica o sistema educativo racista de Portugal enquanto celebra a resistência das crianças angolanas.